sexta-feira, 31 de agosto de 2007

No tempo da maldade, acho que a gente nem tinha nascido...














A foto acima é de um meninho em Ruanda olhando centenas de crânios, parte de uma guerra civil.

Breve (muito breve e resumida) historinha de Ruanda: O país foi entregue à Bélgica após a primeira guerra mundial (antes 'era da' Alemanha). O que fez a Bélgica: utilizou a igreja católica e manipulou a classe alta dos Tutsis para reprimir o resto da população (maioria Hutus e tutsis mais pobres), incluindo a cobrança de impostos e o trabalho forçado, criando um fosso social maior do que o que já existia.

Após a segunda guerra, os hutus ganharam o poder devido a diversos fatores: fuga de reis, assasinatos de outro, processo de independência etc. Bom, depois disso, entrou um processo de repressão aos tutsis, um ódio havia sido plantado no passado. Houve um verdadeiro genocídio, um massacre. E quem quiser pode ver o filme "Hotel Ruanda", que retrata bem essa situação.

Esse resuminho foi feito para quê? Por causa dessa capinha dessa revista fascistinha:
























Ok. Sobre essa capa e a patuscada toda de 'sensações' que foram argumentos de mais uma reportagem fajuta baseada em nada, todo mundo já deve ter ouvido falar porque repercutiu demais essa nova 'hipótese' da Veja, com sua 'liberdade de imprensa', na tentativa de pressionar o Supremo a votar a favor da aceitação das denúncias do mensalão.

Mas o que me chama atenção, além da reportagem ultra-confiável, é essa tarjinha aí do lado na capa: "Um Livro mostra que a elite é o lado bom do Brasil".

Eu estava devolvendo filmes na locadora e vi esse exemplar em cima do balcão, e como eu não compro essa revista por nada no mundo, só pude me "deliciar" com a capa. Falei pra R. sobre a capa, e ele: "Cê tá brincando!" Pior é que parece brincadeira mesmo porque eles nem disfarçam mais o fascismo. Daqui a alguns dias poderemos ler: "Sociólogos e intelectuais defendem campos de concentração para pobres", e aí eles vão argumentar que o "povo atrapalha a democracia", já que votaram no "presidente errado", "eles não sabem usar o direito ao voto que lhes concedemos". E isso aí a gente até já pode ver em conversas informais pela boca de ultra-direitistas ou de "massa de manobra". Quem sabe um dia, eles não chegam a propor uma guerra-civil! Garanto que tem gente aí de direita que ia gostar bastante.

Bom, pensei que o que tinha repercutido era só a reportagem principal sobre o Supremo e que só eu tinha visto esta tarjinha... mas hj, lendo o Vermelho, vi que a matéria foi até bem discutida entre nós, o povo ignorante, do lado negro da informação.

Como a matéria, junto com as citações de Mino Carta, não poderia ser melhor, tomo a liberdade de colocá-la aqui, na íntegra:

28 DE AGOSTO DE 2007 - 19h15

Mídia enaltece livro que destila preconceito contra pobres


Em seu livro ''A Cabeça do Brasileiro'', e nas várias entrevistas que vem concedendo nos largos espaços que a grande mídia lhe oferece, o ''sociólogo'' Alberto Carlos Almeida sustenta a tese de que as pessoas com ''nível superior'' têm uma contribuição maior e melhor a dar ao país do que aquelas que ''não têm nível superior''. Para ele, a parcela mais educada da população é menos preconceituosa, menos estatizante e tem valores sociais mais sólidos. Na opinião de vários analistas, o livro é ''preconceito puro''.

por Cláudio Gonzalez



A penúltima edição da revista Veja, que chegou às bancas no dia 19 de agosto, descatou na capa uma matéria que enaltece um livro recentemente publicado pelo ''sociólogo'' Alberto Carlos Almeida. A publicação, intitulada ''A Cabeça do Brasileiro'' (Editora Record, 2007), traz dados estatísticos e considerações sobre uma pesquisa a respeito do ''perfil do brasileiro''. A Pesquisa Social Brasileira foi realizada pelo instituto DataUff (Universidade Federal Fluminense) e financiada pela Fundação Ford. Foram ouvidas 2.363 pessoas, em 102 municípios.

Almeida é professor da Universidade Federal Fluminense; colunista do jornal Valor Econômico; e diretor de planejamento da Ipsos Public Affairs, responsável pelo Pulso Brasil, uma pesquisa mensal sobre consumo, economia e política. Ele é autor ainda dos livros ''Por que Lula?'' (Editora Record, 2006); ''Como são Feitas as Pesquisas Eleitorais e de Opinião'' (Editora FGV, 2002); e ''Presidencialismo, Parlamentarismo e Crise Política no Brasil'' (Eduff, 1998). Alberto Carlos Almeida possui ainda doutorado em Ciência Política pelo IUPERJ; foi pesquisador visitante na The London School of Economics; e coordenou as pesquisas eleitorais e de opinião do DataUff entre 1996 e 2002 e da Fundação Getúlio Vargas entre 2002 e 2005.

Neste seu último livro, ''A cabeça do brasileiro'', Almeida usa todo este currículo para interpretar com suas idéias elitistas os dados da pesquisa que coordenou e destilar um rozário de afirmações altamente preconceituosas contra aqueles que ele chama de ''iletrados'', ou seja, pessoas sem nível superior ou com menor escolaridade.

Em seu livro e nas várias entrevistas que vem concedendo nos largos espaços que a grande mídia lhe oferece, Almeida sustenta a tese de que as pessoas com ''nível superior'' têm uma contribuição maior e melhor a dar ao país do que aquelas que ''não têm nível superior''. Para ele, a parcela mais educada da população é menos preconceituosa, menos estatizante e tem valores sociais mais sólidos.

Para bom entendedor, o dito ''sociólogo'' sustenta que somente a opinião e as realizações da elite merecem ser levadas em consideração sobre os mais diversos temas, especialmente em relação às questões éticas, culturais e morais. Nas entrelinhas, Almeida responsabiliza o ''povo'' por todas as mazelas nacionais.

A mais recente oportunidade que Almeida teve de destilar seu veneno ''anti-povo'' foi no programa Roda Viva, da TV Cultura, exibido na última segunda-feira (27).


Poleiro de tucanos


Não causa surpresa nenhuma que a revista Veja tenha dado chamada de capa para um livro tão desprezível quanto a própria revista. Também não espanta que praticamente todos os telejornais e rádios do sistema Globo tenham aberto seus microfones para o professor Almeida. Já o espaço nobre de uma TV ''educativa'' ser ocupado para servir de amplificador a opiniões tão polêmicas deixou algumas pessoas admiradas. Mas quem conhece os bastidores da TV Cultura sabe bem que tal escolha não é tão estranha assim.

O programa Roda Viva é apelidado nos meios políticos como ''poleiro de tucanos'' pois, estando a Fundação Padre Anchieta, gestora da TV Cultura, sob o domínio do PSDB há quase 15 anos, os critérios para a escolha de quem serão os entrevistados e os entrevistadores no programa são estabelecidos a partir das preferências políticas do tucanato de São Paulo. De vez um quando um ou outro entrevistado ''de esquerda'' é convidado a participar do programa para disfarçar a hegemonia tucano-liberal. Sendo assim, não surpreende que Alberto Carlos Almeida tenha sido escolhido para proferir suas teses preconceituosas em rede nacional.


Pérolas aos porcos


Entre as baboseiras de inspiração fascista que o dito ''sociólogo'' proferiu na entrevista estão a de que os valores éticos estão diretamente ligados ao nível de escolaridade e, por isso, ''nossa elite intelectual na média é a favor da liberdade de imprensa e os mais pobres são contrários...'' e ainda que ''...revoluções não acontecem em países com alto grau de escolaridade, pois quem tem maior nível intelectual tende a ser liberal e democrático''.

O pretenso sociólogo também afirma que todos os membros de corporações militares, como a PM, por exemplo, deveriam ter nível superior pois quem tem nível superior tende a respeitar mais os direitos humanos e quem não tem tende a ser mais violento e mais corrupto.

Ele diz textualmente que ''para 'aqueles que não têm nível superior' a corrupção não é um problema...''.

O esperto ''sociólogo'' busca ainda jogar a pecha de preconceituoso no próprio povo ao afirmar que ''aqueles que não têm nível superior 'são homófobicos', por isso a Globo não pode exibir nas novelas beijos entre homosexuais...''.

Mas a cereja no bolo das baboseiras é a afirmação de que ''... se dependesse daqueles que não têm nível superior, ''a escravidão não teria acabado no Brasil, foi preciso os ingleses ( raça superior, protestante e nórdica) intervirem pra escravidão acabar no Brasil...''


Mino: elite perversa

O jornalista Mino Carta, editor da revista CartaCapital, teceu comentários sobre a matéria em que a revista Veja destaca o conteúdo do livro de Almeida. Em seu blog ( http://z001.ig.com.br/ig/61/51/937843/blig/blogdomino/ ) Mino Carta ironizou as opiniões do autor do livro afirmando: ''Entendi, o povo é o culpado pela situação em que o país se encontra, vítima de desequilíbrios sociais vertiginosos, e insuportáveis para um país que pretende ser democrático. E capitalista. O povo é responsável pela Idade Média em que vivemos. Ah, se não tivéssemos de padecer a companhia deste povo, que formidável país teríamos. Feliz, respeitado, poderoso. Teríamos acesso à beatitude da democracia sem povo. Nada disso, somos obrigados a carregar este fardo imponente. De quem a culpa pela colonização predadora? Do esboço de povo que não a impediu. De quem a culpa pela escravidão? Do povo, que se deixou escravizar. De quem a culpa pelos desmandos do poder? Do povo, que não sabe votar. Não gosto de fazer propaganda do concorrente, mas a Veja desta semana é pura diversão''.


Dias depois, quando Almeida foi entrevistado no Roda Viva, Mino Carta voltou ao assunto e comentou: ''Todos desancam o sociólogo (sociólogo?). Ele merece. Um internauta, Ricardo Lusíadas, sugere-me uma entrevista com Antonio Gramsci. Dele falei no meu editorial desta semana, em CartaCapital. Sustentei a seguinte tese: Marx pôs de ponta-cabeça Hegel, Gramsci pôs de ponta-cabeça Croce, Alberto Carlos Almeida acaba de pôr de ponta-cabeça Marx e Gramsci. De fato, sua pesquisa visa a demonstrar que a classe dominada de verdade domina a classe dominante. Coisas do arco-da-velha. A Cabeça do Brasileiro é um perfeito epitáfio de uma elite feroz, ignorante, inepta, vulgar, arrogante, prepotente, incompetente. Responsável pelo desastre que vivemos, a se considerar as incríveis potencialidades do Brasil, talvez únicas, atiradas ao lixo, por ela mesma, a elite. Sentaram-se sobre um tesouro e só cuidaram de predá-lo. E nem conseguem interpretar a contento o papel da aristocracia. Atentem. A cada quadra de nossa história, uma nova leva de senhores substitui a velha, sem mudar-lhe as características. Falta continuidade, como se deu séculos afora, com as famílias nobres da Europa, porque nem mesmo seu serviço sabem executar. Pois é, diria Maquiavel, falta-lhe a implacável competência do Príncipe.''

Outros blogs também manifestaram indignação com as teses de Alberto Carlos Alemida. O blog Espaço Dual ( http://augustoalves.blogspot.com/ ) afirma que ''a entrevista (no Roda Viva) foi um festival de disparates dos mais grotescos já vistos na televisão brasileira, e olhem que o pário é duríssimo, mas este foi o pico da gaussiana! As conclusões resultantes da pesquisa realizada por este professor são de escandalizar qualquer cientista social com o mínimo de seriedade. O que nos faz pensar e se indignar por exemplo com o silencio estarrecedor do professor Roberto DaMatta. Sujeito ativo da academia brasileira de renome nacional e internacional, não poderia se omitir sobre temas tão presentes em seus livros e ensaios como aconteceu na fatídica noite de ontem. Uma lástima!'' O mesmo blogueiro diz ainda que ao assistir a entrevista de Almeida assistiu a ''um debate rasteiro, norteado por inverdades, preconceitos e um facismo manifesto!''


O antropólogo Roberto DaMatta, a que o blog se refere, foi um dos entrevistadores convidados pelo Roda Viva para entrevistar Almeida. A bancada de entrevistadores foi formada, além de Damatta, por Cláudio Weber Abramo (Diretor Executivo da Transparência Brasil); Francisco Alambert (professor de história contemporânea da USP); Lobão (músico, compositor, idealizador da Revista Outracoisa e apresentador da MTV), Fred Melo Paiva (editor do caderno Aliás, do jornal O Estado de S. Paulo) e Alon Feuerwerker (editor de política do jornal Correio Braziliense).

Problema 'lógico-metodológico'


Feuerwerker também comentou a entrevista de Almeida em seu blog (http://blogdoalon.blogspot.com/). ) Segundo ele, as opiniões do professor e sua pesquisa sofrem de um problema ''lógico-metodológico''. ''Eis o problema central da pesquisa do professor: ele adota a visão de mundo da elite escolarizada como referência de modernidade e a partir daí conclui que a elite escolarizada é moderna.''

Feuerwerker comenta ainda que a ética subjacente à obra do professor Alberto Carlos Almeida é a ética do grupo social a que pertence o professor. ''Segundo a plataforma ideológica exposta em sua obra, alcançaremos o paraíso quando todos pensarem como ele. Só que isso não chegará a acontecer. Pela mesma razão por que não é possível a parte pobre do mundo atingir os padrões de consumo da parte rica sem destruir o planeta. O sonho ideológico de um mundo homogeneamente desenvolvido com base numa cultura e numa economia fundadas no individualismo, no racionalismo, no consumismo, na recusa a Deus e às formas coletivas de convivência, na recusa ao reconhecimento dos limites do homem, tudo isso não passa de um sonho louco e irrealizável, uma caricatura pós-iluminista. Nesse sentido, professor, ao contrário do que o senhor afirma, talvez a consciência dos seus limites torne as pessoas menos escolarizadas mais modernas do que a arrogante, arcaica e prepotente elite que o capitalismo produz e reproduz diariamente''.


Link da matéria no Vermelho: http://www.vermelho.org.br/base.asp?texto=23990

Um breve comentário: O respeitadíssimo sociólogo diz que "quem tem nível superior tende a respeitar mais os direitos humanos e quem não tem tende a ser mais violento e mais corrupto". O promotor Thales Schoedl, que não só é 'letrado', como deveria "adorar os direitos humanos", está aí pra mostrar como essa tese de Alberto Carlos funciona. Além disso, os rapazes que espancaram a empregada no Rio de Janeiro também são um brilhante exemplo de respeito ao direitos humanos, eles estavam na faculdade, né? Engraçado que o pai da moça demonstrou muito mais 'tendência a respeitar os direitos humanos' do que os pais dos infelizes, que também deveriam ser letrados.

Acho que depois deste livro e desta reportagem, já poderíamos nos dividir entre Hutus e Tutsis e iniciar nossa guerrinha civil. Ou alguém acha que em Ruanda as coisas (o ódio) não foram plantadas pouco a pouco?

2 comentários:

Anônimo disse...

Vem cá...
Depois de tantos cursos que este tal "sociólogo" tem... qual é o que falta pra ele deixar de ser preconceituoso???
Afinal... se quanto mais "letrada" uma pessoa é, menor é o preconceito onde esse ser perdeu toda a sua "bagagem" cultural???

Anônimo disse...

Calma, calma...
Não nos precipitemos...
Pra tudo há uma explicação...
... e se não houver... a gente culpa a confusão dos aeroportos pelo extravio da "bagagem" do Sr. Alberto!!!